2 de outubro de 2020
Sucot e a fragilidade humana – o acolhimento é o que nos fortalece
Tishrei é o mês judaico de muitas festividades e propõe uma vivência intensa. Começa com Rosh Hashaná, quando desejamos Shaná Tová Umetuká, um ano bom e doce, e é durante os Iamim Noraim (dias temíveis) que fazemos um balanço e alinhamos metas para que em Iom Kipur possamos reconhecer nossos erros e assumir novos compromissos. A primeira ação quando termina o Iom Kipur é fincar uma estaca no chão, demarcando o começo da construção da Sucá.
No shabat de hoje, terá início Sucot e, pouco depois, já estaremos comemorando Simchat Torá. Todos estes chaguim têm características muito diferentes e atmosferas quase opostas, embora próximos no calendário. Se em Rosh Hashaná e Iom Kipur nos voltamos para dentro, num movimento reflexivo e introspectivo – ainda que exista uma conexão coletiva -, é em Sucot que nos abrimos de fato, através da prática do acolhimento, que ousamos e arriscamos, num gesto que presume um deslocamento subjetivo em encontro ao outro.
Já se tornou lugar comum pensar a vivência dos chaguim nestes tempos de pandemia. Mas Sucot talvez traga o maior desafio de todos. A festa que marca a reunião de pessoas dentro da Sucá (cabana), debaixo do mesmo teto, acontecerá à distância, sem o convívio neste lugar comum. Uma verdadeira contradição ao modo habitual cuja festa é celebrada. Não poderemos sentar na mesma Sucá, comer e conversar, não poderemos convidar pessoas para entrar, nem dar abrigo a quem desejar. Não literalmente…
A história que inspira este acolhimento é a recepção de Abraão aos 3 homens (ele não sabia que seriam 3 anjos) que aparecem perto de sua casa no deserto, presente na narrativa bíblica. Abraão não os conhece, não sabe a procedência destas pessoas, nem com qual finalidade eles estavam ali, mas os recebe de maneira irretocável, oferecendo-lhes o que tinha de melhor, com a maior rapidez possível. Esta história tem uma estética forte e um apelo fisiológico, na medida em que imaginamos pessoas famintas e cansadas andando pelo deserto, no limite de suas condições, ao passo que a recepção de Abraão oferece o melhor conforto que estas pessoas poderiam ter. Mas o acolhimento é uma prática que vai muito além do ato físico, ele pode acontecer através de uma conversa, um olhar ou uma escuta e pode ser feito à distância, sem que haja contato ou sem ser por meio de um abrigamento, por exemplo.
Sucot nos lembra da fragilidade e efemeridade da vida, como o aspecto material torna-se prioridade, quando na verdade o que nos realiza pertence a outra dimensão. Sucot nos abre para o outro, seja ele quem for, e faz da simplicidade a regra, dando preferência à relação humana acima de qualquer coisa. Sucot traz o acolhimento como prática da nossa humanidade e o momento nos lembra que se não podemos estar na mesma sucá, podemos deixar aberta permanentemente uma porta que permita que o outro se dirija a nós.