3 de outubro de 2024
Shaná Tová Umetuká!
Entre os principais costumes de Rosh Hashaná estão desejar uns aos outros um ano bom e doce e trocar cartas com mensagens de paz e esperança. Mas sabemos que o Chag não guarda apenas aspectos festivos, de celebração pela virada do ano. A tradição judaica nos reserva também um relevante grau de tensão, onde nos julgamos e somos julgados. Aliás, um dos nomes de Rosh Hashaná é Iom Hadin, dia do julgamento. Como em um tribunal, neste dia somos julgados por todas as nossas ações do ano anterior e esperamos a sentença que virá em Iom Kipur. Os dez dias que separam Rosh Hashaná e Iom Kipur são chamados de Iamim Noraim, dias temíveis.
Nossos sábios dizem que durante estes dias devemos fazer Teshuvá, Tefilá e Tzedaká. Isto nos levaria de volta a um bom caminho. O brilhante Jonathan Sacks, Z’’L, rabino inglês que veio a nos deixar em 2020, fez ponderações importantes sobre a tradução destas palavras. Diferente do que se costuma crer, Teshuvá não é arrependimento, Tefilá não é oração e Tzedaká não é caridade.
Teshuvá significa retorno. Devemos retornar ao que exatamente? Existe alguma essência boa que devemos buscar? O retorno pode ser metafórico, buscar a nós mesmos. Neste momento do ano podemos fazer o exercício de fechar os olhos. Não como uma fuga da realidade, mas para que possamos nos perceber melhor, enxergar a nós mesmos. Nossos olhos buscam a aprovação do outro, ou lançam-se em julgamento severo sobre as opiniões alheias. Fechar os olhos suspende momentaneamente esta relação social e nos oferece a oportunidade de um olhar estrangeiro sobre si. Isto é retornar a si, poder se escutar, ser honesto com nossas próprias questões. Admitir nossos medos, encarar nossos desejos e ser coerente com nossos valores. Ao menos uma vez no ano precisamos desta imersão.
Tefilá significa apegar-se. Segundo Sacks, no judaísmo nós não rezamos para pedir, mas para nos conectar com Deus. Mas podemos pensar além, a tefilá como uma conexão com todos e todas que nos antecederam, com todas as vidas judaicas que passaram por este plano. A haftará de Rosh Hashaná, porção do Tanach lida no 1º dia da festa, conta a história de Hannah, uma mulher de muita fé, que endereça a Deus uma fala silenciosa, prometendo consagrar-lhe um possível filho. Este ato veio a ser considerado pela nossa tradição como a primeira tefilá. Conta no Tanach que “Hannah falava ao seu coração”. Este momento de conexão com Deus, portanto, é um profundo mergulho subjetivo. Talvez seja o verdadeiro ato de Teshuvá.
Por fim, Tzedaká significa justiça. Encontramos ao longo do Tanach diversos momentos em que se fala e se busca justiça. Esta é uma marca das nossas fontes e da prática judaica ao longo desses milênios. Fazer tzedaká é um mandamento, ou seja, ser justo e agir com justiça não é privilégio de algumas pessoas com bom coração, mas uma obrigação atribuída a todos e todas. Essa ação pode ser materializada com doações, com a contínua ação de doar parte do que se tem, mas também pelo compromisso ético em ser justo em qualquer lugar e situação que se apresenta, independente das circunstâncias. Não se esquivar nem se omitir ao presenciar uma injustiça. Como diz no Pirkei Avot 2:5 “no lugar onde não houver humanos, esforce-se para ser um humano”.
Desejamos, portanto, que nesses dias difíceis que estamos vivendo, que possamos enxergar Rosh Hashaná como uma oportunidade, que todo começo de ciclo proporciona, seja a nível individual ou coletivo, de nos guiarmos a partir da Teshuvá, Tefilá e Tzedaká, para não perder no horizonte nossa esperança de paz e de uma sociedade melhor.